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O desafio da adolescência para pais e cuidadores: florescimento do Eu e reencontro com o passado

Cláudia Scheneider

(Ilustrações: Eduardo Scheneider)

Passar pela adolescência não é um processo fácil e não vem com orientações como uma bula ou um livro de receitas. Talvez por isso e pela singularidade de cada indivíduo, esse momento da vida se torna uma dúvida ou até um martírio para muitos, tanto para os próprios adolescentes quanto para seus cuidadores, os quais, por vezes, não sabem entender onde terminam as suas próprias dores e iniciam os conflitos do outro. 

Transitar entre o medo e a angústia, a inocência e o novo, são questões recorrentes às quais muitas vezes o ser adolescente passa. Questões como: que tipo de suporte ele vem recebendo? Qual apoio ele tem? Podem ser  decisivas para definir esta etapa. Percorrer esse trajeto requer manejo, escuta e orientação.

Então como executar essa tarefa se, muitas vezes, o adolescente dentro daquele adulto ficou doente, mal curado ou até mesmo reprimido, formando adultos opressores, frustrados e com dificuldade de reconhecer o próprio eu? Como não projetar tudo isso naquele que, de verdade, está vivenciando o momento de identificar seu eu real?

O mal-estar da adolescência

Nesta fase todas as questões tomam dimensões gigantescas, os conflitos invadem o real e tornam assustador vislumbrar o futuro. E é nesse momento que o apoio dos pais para orientar, delimitar e estruturar se faz necessário, visto que, esse jovem não se encontra em condições cognitivas e de maturidade para passar por tais dilemas sem suporte. O medo do futuro torna-se então um grande gerador de mal-estar. Mal-estar esse que não  encontra definição em dicionários ou em livros, sendo ele o incerto, o desafiador, aquele que traz as questões inconscientes à subjetividade do indivíduo, causando-lhe então anseios e impelindo-lhes responsabilidades e expectativas, as quais muitas vezes nada têm a ver com seus próprios desejos e sim com a necessidade intrínseca de agradar e corroborar com os desejos do outro, este sim, por vezes, seu real objeto de desejo. Dá-se aí a necessidade de construir um ambiente seguro, saudável e firme, que permita ao adolescente que ainda se encontra em estado vulnerável e imaturo, espaço para desenvolver e reconhecer sua verdadeira identidade, respeitando seus limites e suas necessidades e deixando-o se expressar de forma livre e prazerosa. 

Assim como Winnicott (1963/2016) nos lembra que o adolescente resiste e tem dificuldades em se expressar, de dar voz aos seus reais desejos e o que sente e então, transfere ao adulto essas funções, seja de forma consciente ou inconsciente, esperando que esse o ajude a traduzir seu próprio mal-estar. Ele nos traz ainda que “muitas das dificuldades pelas quais passam os adolescentes, e que muitas vezes requerem a intervenção de um profissional, derivam de más condições ambientais; este fato apenas serve para enfatizar a vital importância do ambiente e da família”.

Discordância de ideias e Conflitos Geracionais

Não é incomum a discordância de ideias entre o adolescente e o adulto, no entanto isso não é um ponto ruim no relacionamento e no desenvolvimento. É neste momento que o sujeito jovem descobre-se no mundo como tendo voz e sendo criador de sua história, e a permissão de elaboração dessas angústias pelos pais é de extrema necessidade. Cabe a estes entenderem que pouco tem a ver com eles, e sim com a criação de um ser questionador, autônomo e que encontra-se em construção e, como todos sabemos, em uma obra são cometidos erros e equívocos até que fique finalizada da melhor forma possível. 

Tais discordâncias podem e, muitas vezes, são frutos de conflitos geracionais que podem ser definidos como uma diferença estruturante existente entre a posição do adolescente e a do adulto, que não traz sofrimento para o jovem, pelo contrário, na maioria das vezes, oferece contenção. Seria uma modalidade de embate entre forças conservadoras, vindas da parte do adulto, e forças disruptivas, próprias do adolescente (Winnicott, 1971/1975). Para o autor esses confrontos têm papel fundamental na elaboração e no enfrentamento da adolescência, sendo ele necessário e positivo: “A confrontação é própria da contenção que não é retaliatória, nem vingativa, mas possui sua própria força” (Winnicott, 1971/1975, p.193).

As dores que se carrega

Perceber-se como mediador de conflitos dos filhos pode suscitar também um desconforto nos pais, seja por laços consanguíneos, de afeto, ou tantos outros modelos aos quais nos defrontamos nos dias atuais. Seja como for, olhar a dor, o medo e os anseios daquele jovem, por vezes, traz à luz nossas profundas angústias, aquelas às quais não foram possíveis expressar, vivenciar e curar. 

Nesse momento permitir se ouvir e reconhecer, muitas vezes, a necessidade de auxílio, não para ser pai/mãe, mas para ser quem se é, torna-se imperativo na vida dessas pessoas que escolheram, ou não, exercer esta função. Assim, poderão estabelecer um contato positivo, agregador e facilitador para o desenvolvimento de seus filhos, sendo um lugar seguro e de apoio, que permitirá que estes encontrem seu lugar, façam suas identificações, relacionem-se com o outro e consigo mesmo de forma prazerosa, clara e respeitosa. Ocupando assim, o papel de protagonista de seu enredo, plantando e colhendo seus próprios frutos, ainda que estes sejam herdeiros de outras árvores.

Necessidades e obrigações do sujeito Adolescente e seus cuidadores

Fornecer ao adolescente a oportunidade de expressar-se é possibilitar que eles tragam à tona seus reais desejos, visto que isso os impulsionará a progredir. Porém, cabe ao cuidador a tarefa de ponderar e minimizar os riscos reais, trazendo ao jovem a autoridade que lhe é impelida pelo desempenho da função, visto que, assim como na fase da infância, na adolescência o jovem também requer uma diretriz, um indivíduo que o conduza, mostre seus limites e suas obrigações. 

O conflito entre gerações pode se tornar um obstáculo nessa jornada, pois ao carregar suas dores e defrontar-se com elas no presente, muitos pais demonstram dificuldade em comunicar-se de forma assertiva e positiva com seus filhos, uma vez que conceitos que eram válidos décadas atrás já não se aplicam da mesma forma nos dias de hoje. Por este motivo, é necessário respeitar o espaço, as crenças, o modo de pensar e a solidão do sujeito. 

A ideia de solidão, postulada por Winnicott (1963/1983) refere-se à capacidade de estar só,  uma aquisição desejável a todas as pessoas, sobretudo para o adolescente que possui uma demanda de solidão no que diz respeito aos pais. Saber estar só dá ao adolescente o lugar necessário para construir o seu eu, distanciando-se até certo ponto de seus pais para, assim, reconhecer o seu eu e futuramente reindenticar-se com aqueles que o criaram. 

Portanto, passar pela adolescência não é tarefa fácil para o adolescente, tampouco para seus tutores, mas ao dar o espaço de expressão de forma abrangente e verdadeiramente ampla, traz a possibilidade de passar por este momento de forma saudável e permitindo o surgimento do adolescer daquele jovem. Permite também a cura do adolescente dentro do adulto, que não teve a oportunidade de se conhecer no passado, sendo então um florescimento nessas relações e no eu real de todos.

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Sugestão de Leitura: 

Uma sugestão para quem deseja saber do tema são as obras de D.W. Winnicott , hoje em especial destaco “O Ambiente e os  Processos de Maturação (Estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional).

Textos referenciados 

Winnicott, D. W. (2005a). Privação e delinquência. São Paulo: Martins 

Fontes.

Winnicott, D. W. (2005b). O ambiente e os processos de maturação. Porto 

Alegre: Artes Médicas.

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Cláudia Scheneider é graduanda em psicologia na UniVR. Psicanalista pela EPC. Mãe, atriz, empresária e membro de obras sociais com crianças e adolescentes e do Neppa/EPC.

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