Um dos temas mais discutidos neste início de ano letivo é a recente proibição do uso de celulares em escolas públicas e privadas (Lei 15.100/2025). A medida tem como objetivo melhorar o desempenho escolar e o desenvolvimento socioemocional dos estudantes. No entanto, pais e educadores estão preocupados com os impactos dessa restrição na saúde mental dos chamados “nativos digitais”.
O Mal-Estar na Civilização e os desafios contemporâneos
Em O Mal-Estar na Civilização, Freud já discutia como cada época enfrenta suas próprias tensões e conflitos. O mal-estar, segundo ele, é inerente à vida em sociedade, resultante das exigências da civilização e dos instintos humanos. No cenário atual, um dos desafios é a onipresença das telas e a dependência tecnológica, especialmente entre os adolescentes.
A proibição dos celulares altera significativamente a rotina escolar, sobretudo para os jovens que usam as redes sociais como ferramenta de construção da própria identidade. A escola, ao impor essa restrição, tem a responsabilidade de oferecer alternativas ricas e estimulantes para que os alunos desenvolvam novas formas de interação e aprendizado. Da mesma forma, pais e responsáveis precisarão evitar a compensação excessiva do uso dos dispositivos em casa, garantindo um equilíbrio saudável.
Como a psicanálise pode contribuir para esse debate?
Nas clínicas de psicanálise, é comum recebermos questões relacionadas à parentalidade e aos desafios pedagógicos. A nova regra escolar nos convida a refletir sobre a necessidade de explorar outras formas de expressão e socialização dos jovens, promovendo experiências que vão além do digital.
A arte, por exemplo, desempenha um papel essencial nesse processo. Freud já apontava a sublimação como um destino possível para os desejos reprimidos, canalizando a energia psíquica para atividades criativas e socialmente valorizadas. A expressão artística pode ser um meio de aliviar angústias, estimular o pensamento crítico e fortalecer a identidade dos adolescentes.
Mas os jovens já não são criativos no TikTok e Instagram?
Sim, a criatividade floresce no ambiente digital, mas a proposta aqui é expandir essa experiência para além do virtual. O psicanalista Donald Winnicott nos apresentou o conceito de Elaboração Imaginativa, ressaltando a importância do corpo na formação psíquica. Ele também introduziu a ideia de um espaço potencial, onde crianças e adolescentes podem explorar livremente sua identidade e emoções por meio da brincadeira e da imaginação.
A arte pode ocupar esse espaço na adolescência, permitindo que os jovens expressem seus medos, desejos e dúvidas sem a influência dos algoritmos, likes e reposts. Mais do que nunca, precisamos proporcionar experiências culturais que ampliem o repertório e a visão de mundo dos adolescentes.
Como estimular esse contato com a arte?
Para despertar o interesse dos jovens e ampliar seu repertório cultural, podemos pensar em contatos diversos com expressões artísticas.
Nas artes visuais, eles podem acontecer por meio de visitas a museus e exposições, participação em oficinas de pintura e escultura ou até mesmo pelo cinema. No campo das artes cênicas, experiências como assistir a peças de teatro, espetáculos de dança ou apresentações de comédia stand-up podem ser enriquecedoras. A música também desempenha um papel importante nesse processo, seja por meio de festivais, shows ou participação em corais.
Outras vivências culturais, como jogos de tabuleiro, passeios a pé, encontros gastronômicos, viagens e momentos de convivência com amigos e parentes, são importantes para expandir a percepção do mundo offline.
Um novo olhar sobre a proibição
A restrição ao uso de celulares nas escolas pode, sim, gerar angústias e dúvidas. No entanto, é também uma oportunidade de repensar a relação dos jovens com o conhecimento, a cultura e o convívio social.
A psicanálise, desde Freud, compreende a arte não apenas como manifestação do inconsciente, mas como uma ferramenta de escuta e interpretação. Assim como na clínica, a arte é um espaço onde o sujeito se confronta com o desconhecido dentro de si, permitindo que novas formas de subjetivação e expressão possam emergir.
Que essa mudança na rotina escolar seja um convite para explorar novas possibilidades, promovendo não apenas um melhor desempenho acadêmico, mas também um maior bem-estar e saúde mental para nossos jovens.
Referências:
Fonte de Imagens:
Fotos 1,2, 4 e 5 –https://www.pexels.com/pt-br/
Foto 3 – https://pixabay.com/pt/
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Geiza Maria é Psicanalista e Gestora Cultural com especialização em Psicanálise Contemporânea e Gestão da Cultura. Graduação em Marketing e Turismo, com pós-graduação em Gestão Cultural e Psicanálise Contemporânea. Mestra em Psicanálise Contemporânea e Terapeuta em Dependência Química e Saúde Mental.
4 Comments
Magno Penalva
Muito bom seu compilado Geiza. Um dos vilões dos celulares são as notificações, ou seja, mesmo que este aparelho esteja no bolso em na mesa (bloqueados), eles estão o tempo todo roubando a atenção, o que nos prejudica muito.
Um bom livro sobre o impacto dos celulares nos jovens é A GERAÇÃO ANSIOSA, de Jonathan Haidt
Obrigado pela reflexão
Magno Penalva
Geiza Maria
Obrigada, Magno. Eu mesma retirei as notificações do meu aparelho e sinto uma grande diferença na produtividade. Tive o cuidado de informar aos meus pares mais próximos que não esperassem mais respostas imediatas. Está dando super certo!
Sua dica de leitura é maravilhosa!
Volte sempre por aqui!
G!
Lili
Excelente reflexão e ótimo texto: a arte ajudando o jovem a sair das telas e a se localizar no mundo.
Geiza Maria
Sim, Lili. O jovem precisa apurar seu olhar para as artes. Afinal, como se diz no popular, “A arte salva”.
Beijos
G!