Pedro Henrique Bueno(*)
As redes sociais transformaram a forma como os adolescentes interagem e percebem o mundo ao seu redor. As plataformas digitais oferecem um leque de possibilidades para conexão social e autoexpressão, remodelando as dinâmicas de comunicação. No entanto, com essas novas possibilidades surgem também desafios psicológicos significativos, dentre os quais o Fear of Missing Out (FoMO) se destaca.
O termo foi inicialmente introduzido por Dan Herman, estrategista de marketing norte-americano, que o descreveu como a ansiedade causada pela sensação de estar perdendo experiências sociais vividas por outras pessoas. Herman abordou o FoMO principalmente sob a perspectiva psicológica, focando nos efeitos emocionais desse medo nas pessoas.
A expressão foi popularizada por Patrick McGinnis em um artigo para a revista da Harvard Business School, que a associou a oportunidades de negócios e sociais, ampliando o entendimento do conceito para além das interações pessoais, incluindo a forma como as pessoas tomam decisões em um mundo cada vez mais interconectado.
Andrew Przybylski, da Universidade de Oxford, por seu turno, aprofundou o entendimento do FoMO, descrevendo-o como “a sensação de desconforto experimentada ao saber que outras pessoas estão a viver experiências gratificantes das quais se está ausente. Isso gera o desejo de ser continuamente conectado ao que os outros estão fazendo. As redes sociais se tornam um meio para satisfazer essa necessidade”. Przybylski citou, ainda, que as mídias sociais podem servir como uma válvula de escape para as frustrações sociais e emocionais, ressaltando que o “medo de perder algo pode desempenhar um papel importante na ligação entre a variabilidade individual em fatores como a satisfação das necessidades psicológicas, o humor geral e a satisfação com a vida ao engajamento nas mídias sociais”.
Com a popularização dos smartphones e a crescente presença das redes sociais na vida cotidiana, o FoMO emergiu como um fenômeno preocupante, refletindo como a constante conexão e exposição digital intensificam a ansiedade e o medo de perder algo. Essa necessidade crescente de conexão alimenta o desejo de monitorar incessantemente as atividades dos outros, resultando em um ciclo interminável de checagem de atualizações e notificações.
Para os adolescentes, que estão em um estágio crítico de desenvolvimento da identidade e buscam intensamente aceitação e pertencimento, o FoMO pode ser particularmente devastador. A constante exposição a postagens que destacam conquistas e momentos felizes dos pares pode intensificar sentimentos de inadequação e inferioridade, levando a problemas psicológicos específicos, como ansiedade elevada, baixa autoestima e dificuldades em formar um senso de identidade coeso. A comparação constante com as vidas idealizadas dos outros pode fazer com que os adolescentes sintam suas próprias experiências como insatisfatórias, exacerbando sentimentos de solidão e insegurança.
É importante pontuar que esta fase do desenvolvimento psíquico não é o único fator de susceptibilidade a ser infectado ou contaminado pelo FoMO. Certos tipos de personalidade, como indivíduos impulsivos, com baixa autoestima e dificuldades nas relações interpessoais, estão mais propensos à dependência das redes sociais. Pessoas com baixa autoestima, v.g., podem buscar validação externa nas redes sociais para compensar sentimentos de inadequação. Indivíduos impulsivos podem buscar gratificação imediata, verificando constantemente as redes sociais. Aqueles com dificuldades nas relações interpessoais, por sua vez, podem usar as redes sociais para preencher lacunas emocionais e sociais, agravando a dependência dessas plataformas.
Ademais, protegidos por uma tela, os usuários podem ser aquilo que sonham ou negam ser. Vivem, ainda, a ilusão de que, ao imitar o que seus ídolos midiáticos fazem, ocuparão os mesmos lugares e terão as mesmas experiências exibidas nas redes sociais. É uma busca para suprir supostas deficiências relacionais.
O sentimento de incompreensão e a solidão podem levar à busca de conforto e pertencimento nos relacionamentos virtuais. E não importa como a interação se dá; basta uma reação, mesmo que automatizada, para causar a impressão de que alguém se importa e valoriza quem está do outro lado. Essa conexão, ainda que superficial, alivia temporariamente a sensação de isolamento, criando uma ilusão de proximidade e compreensão que, para muitos, pode ser suficiente para preencher lacunas deixadas por relacionamentos reais.
Søren Kierkegaard, pai do existencialismo, afirmou que “A raiz da infelicidade humana está na comparação”. Tal afirmação nos leva a uma melhor compreensão do impacto do FoMO, haja vista que a comparação constante entre a própria vida e as versões idealizadas das vidas alheias nas redes sociais é um aspecto central do fenômeno. As postagens de amigos ou influenciadores indicando a existência de vidas perfeitas e cheias de experiências gratificantes podem levar os adolescentes a sentir que suas próprias vidas são insatisfatórias. Isso não só alimenta a ansiedade e o sentimento de inadequação, como também agrava o medo de perder oportunidades importantes, o que torna mais difícil a formação de um self estável.
A ansiedade causada pelo FoMO pode levar os adolescentes a adotar defesas como negação, racionalização e identificação – mecanismos postulados por Freud, que atuam como estratégias do ego para lidar com os conflitos internos. Há negação, por exemplo, quando um adolescente se recusa a reconhecer o impacto negativo das redes sociais em sua vida, afirmando que seu uso é inofensivo, a despeito dos sinais de ansiedade e estresse. A racionalização ocorre quando o comportamento excessivo nas redes sociais é justificado como a necessidade de manter conexões ou ficar informado, mascarando a ansiedade subjacente de perder experiências sociais e impedindo que o comportamento persistente seja questionado. A identificação revela-se na imitação das atitudes e comportamentos de pessoas admiradas nas redes sociais, na tentativa de se sentir parte de um grupo ou de alcançar o mesmo sucesso e reconhecimento que essas figuras parecem ter. Essa defesa pode criar uma falsa sensação de pertencimento e autoestima, mas frequentemente resulta em uma autoimagem instável e insatisfatória. Imperioso lembrar, contudo, que o engajamento social, se bem administrado, pode contribuir positivamente para o desenvolvimento de habilidades sociais e redes de apoio.
O FoMO também pode ser analisado à luz dos conceitos de projeção (mecanismo pelo qual um indivíduo atribui pensamentos, sentimentos e impulsos intoleráveis para si mesmo a outra pessoa) e transferência (repetição de padrões relacionais, baseada em experiência infantis recalcadas; carga de libido que o indivíduo parcialmente insatisfeito, dirige ao seu médico – Freud, 1912).
A projeção pode ser observada quando um adolescente, sentindo-se inadequado ou excluído, atribui essas sensações aos outros, acreditando que seus pares estão mais satisfeitos ou realizados. Por exemplo, ao visualizar postagens de amigos nas redes sociais, o adolescente pode projetar suas próprias inseguranças, interpretando essas postagens como evidências de que os amigos têm vidas mais plenas e gratificantes do que a própria.
A transferência pode ocorrer quando os sentimentos de inadequação e exclusão experienciados nas redes sociais são transferidos para outras relações, como na escola, na família, em relações de afeto ou em outras interações presenciais. Um adolescente que se sente desvalorizado nas redes sociais pode transferir esses sentimentos para os amigos ou familiares, reagindo de forma mais negativa ou defensiva com base em experiências passadas de rejeição ou abandono.
Como se extrai do explicitado, o impacto do FoMO na saúde mental dos adolescentes é profundo e multifacetado, podendo resultar em altos níveis de ansiedade e estresse. A sensação de estar sempre perdendo experiências significativas pode contribuir para a depressão e a baixa autoestima, enquanto o foco nas vidas dos outros pode levar a uma insatisfação com a própria vida, causando frustração, desesperança e raiva.
A abordagem psicanalítica oferece estratégias eficazes para lidar com o FoMO e suas consequências. Por meio da livre associação (expressão livre dos pensamentos e emoções, sem censura), da análise dos sonhos (realização (disfarçada) de um desejo (reprimido), Freud, 1900) e da exploração das transferências, os terapeutas podem ajudar os adolescentes a trazer à tona e integrar os sentimentos inconscientes de exclusão e inadequação. Intervenções focadas no fortalecimento do ego podem promover resiliência emocional, reduzir a dependência de validação externa e auxiliar na construção de um senso de identidade mais sólido.
Além disso, o processo terapêutico pode ajudar os adolescentes a desenvolver relações mais autênticas e significativas, tanto no ambiente virtual quanto no presencial, promovendo um senso de conexão verdadeira que independe da aprovação constante dos outros.
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Referências:
Przybylski AK, Murayama K, DeHaan CR, Gladwell V. Motivational, emotional, and behavioral correlates of fear of missing out. Computers in Human Behavior [Internet]. 2013 [citado 27 diciembre 2021]; 29(4):1841-8. doi: https://doi.org/10.1016/j.chb.2013.02.014
Herman, D. (2000). Fear of Missing Out: The Phenomenon of FoMO. Journal of Marketing Research.
Freud,Sigmund (1923-1925), O Ego e o Id e Outros Trabalhos. Vol. 19. Ed. Imago
Saveedra, Carlo Miguel C.; Bautista Jr, Reynaldo A., Are you “in” or are you “out”?: Impact of FoMO (Fear of Missing Out) on Generation Z’s Masstige-brand Apparel Consumption. De La Salle University. Vol. 20-2.
Imagens geradas por ImagineArt
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(*) Pedro Henrique Bueno é Psicanalista, Psicopedagogo, Escritor, Bel. em Direito e Licenciado em História, com Especialização em Psicologia e Psicanálise, Direito e Processo do Trabalho, Sindicalismo e Economia do Trabalho. Integra os projetos sociais Semear Psicanálise e Escuta Cuidadora. É membro dos Grupos Pares, de Estudos Psicanalíticos ECO e do Núcleo de Estudo e Pesquisas em Psicanálise e Adolescência. Atua na condução de Estudos Clínicos na Escola de Psicanálise de Curitiba.