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Entre o Ideal e o Real: Desvendando o Abismo da Comunicação entre Pais e Adolescentes 

Outro dia fiz a seguinte pergunta para alguns adolescentes com idade entre 15 e 16 anos: O que mais te incomoda na relação com os pais? A resposta veio em tom de unanimidade: eles não entendem o que eu digo, sinto que quase nunca sou levado a sério. 

Em uma conversa com mães e pais de adolescentes perguntei qual era a maior dificuldade que eles percebiam no relacionamento com os filhos. A resposta também foi praticamente unânime: falta de diálogo e comunicação. Eles se fecham e não compartilham o que estão pensando e sentindo. É difícil estabelecer uma conversa. 

De um lado temos mães e pais que sentem dificuldade em estabelecer um diálogo com os filhos, do outro temos adolescentes que se sentem incompreendidos e desvalorizados nas suas escolhas. Não é curioso que ambas as reclamações estejam conectadas e, ao mesmo tempo, sejam antagônicas? 

Para refletir sobre essa pergunta é preciso contextualizar a adolescência como um momento de elaboração e separação. Sonia Alberti em seu livro “o adolescente e o outro” diz que a adolescência é um trabalho de elaboração de escolhas e também da falta do Outro. Mas, quem é esse Outro? Os pais, cuidadores que durante sua infância foram lhe apresentando o mundo sob sua perspectiva. Até que esse Outro se internalize nesse adolescente passando a fazer parte dele. Se essa separação não for elaborada com cuidado é possível que a comunicação venha a falhar gerando sofrimento para ambos. 

Quando nasce um filho nasce também a idealização desse filho. Os pais projetam sobre o filho real uma série de expectativas que nem sempre (ou quase nunca) se realizarão. Quanto mais as expectativas do filho imaginado forem distantes do filho real, mais ruído na comunicação se forma. Um exemplo clássico disso é uma criança com personalidade mais introvertida com pais que exigem que ela seja extrovertida o tempo todo. A vida passa a girar em um conflito constante entre o filho real X filho idealizado. 

Nesses casos, é possível que essa criança aceite o personagem que lhe é entregue pelos pais e comece o processo de distanciamento de si mesma e da sua identidade para ser aceita. Outro caminho possível é o embate permanente. A criança que resiste luta por existir, pelo direito de se desenvolver a partir de si mesma e da influência do meio que a rodeia. Em ambos os casos haverá sofrimento. 

É o desejo de que esse filho idealizado se torne real que distancia pais e filhos e não o desejo do adolescente de se separar dos pais. Muitas vezes, por não conseguirem lidar com tantas adversidades apresentadas pelos filhos, são os pais que se separam deles e desistem de desempenhar sua função de educadores. Acreditam que não serão mais ouvidos, não são respeitados e desistem. Acabam invertendo os papeis e se separando dos filhos quando o que deveria acontecer é o contrário. O adolescente se vê abandonado e sem referências para fazer as escolhas necessárias para sua vida. 

Há um desejo imenso de que o filho “dê certo na vida”. No entanto, é importante pensar que esse dar certo está definido sob um ponto de vista que talvez não seja o mesmo do adolescente. Existe uma ideia pré-estabelecida de que os pais sempre sabem o que é melhor para os filhos. Ouso aqui questionar essa ideia. Será? Será que sempre sabemos o que é melhor para os filhos mesmo quando não conseguimos ouvi-los? E se não conseguimos ouvi-los, como saber o que se passa no interior deles? O que eles pensam sobre a escola, sobre o vestibular, sobre a faculdade, sobre o sexo, namoro, sobre drogas, festas… Sobre a vida? 

Mas como saber tudo isso se eles se negam a falar? Sempre que penso nisso e observo os adolescentes com quem convivo uma frase lateja na minha cabeça: são eles que se negam a falar ou nós que não queremos ouvir o que eles têm a dizer? Será que o silêncio está comunicando algo? 

É preciso fazer um ajuste das expectativas desse filho idealizado, assim como o adolescente precisará ajustar as suas expectativas dos pais idealizados para  que o diálogo possa fluir. Quando nos aproximamos do filho e pais reais abrimos um caminho para uma conversa autêntica e que nos conecta uns aos outros. Quando abrimos mão do certo e do errado encontramos espaço para o SER. E também para o “adoleSER”.  É nesse ponto que a comunicação acontece. 

Adolescer é como diz a letra da música Pais e filhos – Legião Urbana – um conflito constante entre o que eu sou, o que eu quero ser e o que eu fui. 

“Quero colo

 vou fugir de casa

Posso dormir aqui com vocês?

Estou com medo

Tive um pesadelo

Só vou voltar depois das três…”

Para saber mais: 

*O Adolescente e o outro – Sonia Alberti

*Vamos conversar – um pequeno anti manual de comunicação violenta para a vida real  – Elisama Santos 

Fonte das Imagens Pexels.com

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Gabriela Braun é Psicanalista e mediadora de conflitos na escola. Pós-graduação nas áreas de psicologia infantil, neuropsicologia e infância e adolescência. Pós graduação em andamento em Psicanalise clinica. Escritora.

1 Comment

  1. Fabiano Pinheiro

    Fabiano Pinheiro

    19 fev, 2025at 9:24 am

    Muito bom! Obrigado!

    Reply

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