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A importância da clínica psicanalítica com adolescentes: um olhar histórico e contemporâneo

O adolescente que conhecemos hoje – sujeito em transição entre a infância e a vida adulta, marcado por crises identitárias, rebeldia e busca por autonomia – é uma figura que só ganhou contornos definidos nos últimos 50 anos. Antes disso, a passagem da infância para a idade adulta era frequentemente abrupta, sem um período intermediário de experimentação e elaboração psíquica. Em muitas culturas, os ritos de iniciação simbolizavam essa mudança de status, transformando a criança em adulto quase que instantaneamente, sem espaço para dúvidas ou processos subjetivos mais profundos.  

Na Idade Média e mesmo no início da era moderna, a puberdade era vista mais como um fenômeno biológico do que psicológico. A entrada na vida adulta ocorria cedo, com casamentos arranjados, ingresso no trabalho e responsabilidades familiares assumidas precocemente. Não havia um “tempo de espera” para a formação da identidade, como ocorre hoje. Foi apenas no século XX, com as mudanças sociais, o prolongamento da escolarização e a revolução dos costumes, que a adolescência se consolidou como uma fase distinta, cheia de particularidades e desafios próprios.  

A psicanálise e a descoberta do mundo adolescente 

Freud, em seus estudos iniciais, não dedicou um trabalho específico à adolescência, mas suas teorias sobre a sexualidade infantil e o Complexo de Édipo lançaram as bases para entender a revivescência dos conflitos infantis nessa fase. Foi somente com psicanalistas pós-freudianos, como Anna Freud, Melanie Klein e Donald Winnicott, que a adolescência começou a ser pensada como um período crítico de reorganização psíquica, no qual o sujeito precisa lidar com a perda do corpo infantil, a emergência da sexualidade adulta e a redefinição de suas relações parentais.  

A clínica psicanalítica com adolescentes, portanto, surge como uma resposta a essa nova concepção de adolescência – não mais como uma simples fase de “tempestade hormonal”, mas como um momento crucial de estruturação do sujeito, onde antigas angústias retornam e novas identificações são testadas. O retorno de certos recalcamentos da infância emerge. 

O adolescente contemporâneo e seus desafios 

Hoje, o adolescente vive em um mundo hiperconectado, marcado por cobranças sociais, exposição virtual e uma cultura que, ao mesmo tempo que o infantiliza, exige dele decisões precoces sobre carreira, sexualidade e identidade. A pressão por desempenho, a fragilização dos laços familiares e a solidão digital são fatores que intensificam sofrimentos psíquicos, como ansiedade, depressão e crises de autoimagem.  

Nesse cenário, a clínica psicanalítica oferece um espaço privilegiado de escuta, onde o jovem pode elaborar suas angústias sem a lógica imediatista do mundo externo. Diferentemente de abordagens que visam apenas a adaptação ou o controle de sintomas, a psicanálise busca entender o significado por trás dos comportamentos adolescentes (seja o isolamento, a agressividade ou os atos de risco), tratando-os não como patologias a serem eliminadas, mas como formas de expressão de um sujeito em conflito. Mais do que uma estrutura conflitiva, quando operamos na manutenção de espaços de acolhimento e na construção de pontes de linguagem, há conexões que podem ser desenvolvidas entre o singular e o coletivo, entre o indivíduo e a sociedade, entre o jovem e seu ambiente, inclusive de seus cuidadores.

A função do psicanalista: entre o silêncio e a fala 

O psicanalista que trabalha com adolescentes sabe que essa clínica exige flexibilidade. Muitas vezes, o jovem chega ao consultório resistente, desconfiado ou sem palavras para dizer o que sente. O setting clássico pode ser desafiado: sessões mais dinâmicas, o uso de recursos como desenhos, música ou até mesmo trocas por mensagens (em casos específicos) podem ser necessários para estabelecer um vínculo.  

A transferência, nesse contexto, assume contornos particulares. O adolescente não só projeta figuras parentais no analista, mas também testa limites, desafiando a autoridade e buscando, mesmo que de forma contraditória, um porto seguro. Cabe ao psicanalista sustentar essa relação sem cair em respostas moralizantes ou interpretações prematuras, permitindo que o jovem encontre suas próprias respostas. Estar com a mente aberta para as questões de nosso próprio mal-estar é fundamental para a desconstrução de preconceitos e certas estruturalidades proeminentes de regimes ancestrais e não-ditos que precisam ser elaborados.

Prevenção e futuro: para além da crise 

Investir em uma clínica psicanalítica voltada para adolescentes não é apenas intervir em crises pontuais, mas contribuir para a construção de um sujeito mais consciente de seus desejos e conflitos. Muitos transtornos da vida adulta – desde dificuldades afetivas até quadros mais graves – têm raízes em experiências não elaboradas na adolescência. A psicanálise, ao oferecer um espaço de fala e reflexão, ajuda o jovem a transformar angústias em narrativas, fortalecendo seu psiquismo para os desafios futuros.  

A clínica psicanalítica com adolescentes é, hoje, mais necessária do que nunca. Em um mundo que oscila entre a idealização da juventude e a criminalização de seus mal-estares, a psicanálise se mantém como uma ferramenta ética e eficaz, que reconhece no adolescente não um “problema a ser resolvido”, mas um sujeito em processo de descoberta.  

Ao resgatar a história dessa fase da vida – desde sua invisibilidade no passado até sua complexidade atual –, entendemos que a adolescência não é apenas uma etapa a ser atravessada, mas um momento rico de reinvenção. E é justamente nesse terreno movediço, entre o que foi e o que está por vir, que a escuta psicanalítica se revela indispensável.

Estudos e busca de conhecimento: o caminho educacional como fonte de empatia

As costuras entre psicanálise e adolescência podem ser desenvolvidas no setting analítico a partir de premissas próprias e, principalmente, uma compreensão plural e ampla do que seria um setting analítico de acolhimento do jovem. Psicanalistas implicados com os temas são uma constante no Núcleo de Estudos e Pesquisas em Psicanálise e Adolescência, o Neppa/EPC, onde são construídas formas de acompanhamentos modernas e que conversem com o jovem da atualidade. Além disso, o grupo foca no desenvolvimento de conteúdos que possam auxiliar não apenas os pares, mas também psicólogos, psiquiatras, cuidadores, professores e até os próprios adolescentes.

Pensando na amplitude das trocas, neste mês o Núcleo lança sua primeira pós-graduação focada em Psicanálise e Adolescência. São 19 módulos com disciplinas que buscam trazer debates que envolvam prática, teoria e contemporaneidade, mas tudo com a construção ética da psicanálise a partir das teorias de seu criador, Sigmund Freud. 

Caso interesse a você saber mais sobre esta clínica e se entende a psicanálise em confluência com funções sociais e transformadoras, acesse o site www.pospsicanaliseadolescencia.com.br e entre em contato. 

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Sandro Cavallote é Psicanalista, escritor, professor e comunicólogo. Coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Psicanálise e Adolescência (Neppa/EPC). Pós-graduado em Psicanálise com Adolescentes. Pós-graduado em Semiótica e Análise do Discurso. Pós-graduado em Psicanálise e Análise do Cotidiano (PUC). Ocupa diversos espaços de transmissão e atende em consultório próprio.

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