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Ver-se para Refletir: a responsabilidade do educador na formação do sujeito

Vamos falar de escola no Brasil?

Tema nada fácil de se lidar. Por onde começar? Pelas gestões, pelos professores, pelos pais ou pelos alunos? Bom, seja por onde for, acredito que iniciar pela palavra respeito seja a chave.

Sim, respeito: pelo sujeito, pela instituição, pela família, pela ética, pela singularidade, pela diversidade e, principalmente, pela necessidade de evoluir sempre, inerente ao ser humano.

Todos os dias nos deparamos com matérias jornalísticas que denunciam a sucateação da educação, os problemas estruturais, o adoecimento mental dos membros da comunidade escolar, o descaso dos governos com os agravos dentro das escolas, o bullying entre alunos, entre professores e aqui merece destaque o sofrimento desses profissionais.

Mas a proposta deste texto , sem a pretensão de esgotar o tema, é nos convidar a refletir sobre nossa responsabilidade como sujeitos , por nós mesmos, por nossas escolhas e, sobretudo, por nossas crianças e jovens  

E como não trazer a psicanálise para esse debate tão necessário?

Pois, sejamos sinceros: como foi o nosso período na escola? Quantas vezes escutamos frases como “esses jovens estão cheios de mimimi” ou “no meu tempo também tinha essas coisas, e eu sobrevivi”.

Sim, sobrevivemos. Mas a que custo?

Quantas questões mal resolvidas vemos brotar todos os dias em nossos divãs, por meio de adultos que, de fato, sobreviveram. Quantos sujeitos adentram nossos consultórios dia após dia vivos, sim, mas com feridas expostas ou marcas profundas de dores não tratadas. E é preciso lembrar: essa é uma seleta parcela da população. São os que conseguiram chegar até aqui.

E os tantos outros que nunca tiveram esse privilégio de dispor de um espaço de acolhimento e escuta, seja por questões financeiras ou culturais? Como lidam com dores e feridas que existem, mas que, tal qual aquele personagem da saga Harry Potter, “não podemos nomear”? Como tratar de algo que não pode ser reconhecido e nomeado?

É difícil reconhecer que, talvez, nossas dores, nossos problemas emocionais, dificuldades profissionais ou mesmo impasses nos relacionamentos amorosos e interpessoais, estejam ligados ao nosso passado e, principalmente, às nossas escolhas.

É nesse ponto que a psicanálise adentra essa conversa: como educar sem machucar, se tantas vezes fomos feridos em nosso próprio processo de educação? Já nos lembrava Paulo Freire(1987): “O sonho do oprimido é ser opressor.”

Muitas vezes, observamos o desinteresse dos nossos jovens pela área da educação, além de muitas reclamações sobre seu comportamento inadequado e desrespeitoso para com os professores. Mas será que estamos observando como está sendo essa relação mútua?

Segundo Lacan (1949), no Estádio do Espelho, o sujeito se constitui a partir da imagem refletida e do olhar do outro, o que marca profundamente sua identidade. O professor, ao ocupar esse lugar simbólico, torna-se um espelho para o jovem. Quando esse espelho falha ou distorce, o adolescente pode se perder, rejeitar a escola ou entrar em conflito com sua própria imagem.

Qual o espelhamento que os nossos jovens estão tendo?

Se, tantas vezes, notamos profissionais cansados, em sofrimento, ocupando funções que não são verdadeiramente o seu lugar ou mesmo os que escolheram essa profissão como subterfúgio para fugir da própria realidade e não por um desejo intrínseco do seu eu o que esperar dessa relação, enfim?

É tênue a linha do reconhecimento. Movimento complexo é difícil, mas necessário e corajoso. A psicanálise, muitas vezes, ocupa essa função: lidar com o não dito, tirar da zona de conforto, movimentar o que estava calmo, mas que causa dor e sofrimento. Nem sempre a calmaria que sentimos é sinal de paz. Às vezes, pode ser apenas o presságio de um corpo quieto enquanto a alma sangra.

E é nesse sentido que temos de nos perguntar: e quando não há desejo? Ou não há vocação? Porque sim, para se trabalhar com pessoas é necessária muita vocação e um desejo incessante de estar e viver com elas, ouvir, acolher, se doar e receber. Trabalhar com seres humanos requer habilidade, talento e um tanto de paciência, pois não é uma tarefa fácil.

Assim, ao se deparar com salas lotadas, com indivíduos cheios de necessidades, as quais muitas vezes não temos recurso algum para atender, nossos mecanismos de defesa se ativam e geram gatilhos emocionais.

Passamos a nos defrontar com o sofrimento do adolescente e a nos vermos como em um espelho invertido. Percebemos que aquele sofrimento visto no jovem está contido em nós. Pior: muitas vezes, são aqueles conteúdos que ainda não conseguimos lidar, nomear ou mesmo reconhecer que existem, e que, mesmo assim, teimam em nos assombrar cotidianamente. Pulsa em nós o inconsciente. Ele nos cobra diariamente com gestos sutis, problemas cotidianos, pequenos surtos, chistes, atos falhos, lapsos.

Segundo Winnicott (1971), o bebê se constitui como sujeito ao se ver refletido emocionalmente no olhar da mãe ou cuidador. Esse processo de espelhamento não termina na infância, mas se estende à adolescência, quando o jovem busca nas relações com adultos como professores um reflexo que o ajude a se reconhecer e a se organizar psiquicamente.

Winnicott (1975) nos diz: “O que o bebê vê quando olha para o rosto da mãe é ele mesmo.”

Portanto, torna-se tarefa dispendiosa lidar com os problemas que nos foram negligenciados, e sobre os quais não recebemos nenhuma ou pouca orientação de como agir ou proceder. Mas como reagimos quando somos interpelados por aqueles olhinhos brilhantes pedindo socorro: “Me ajuda.” “Me ensina.” “Me fala como é que eu tenho que fazer.” “Me deixa ser como você.” “Me diz o que você fez para dar certo.”

E no fundo o que ecoa é: “Mas… será que eu dei certo?”

Como responder, se eu nem consigo olhar para mim? Se sequer consigo fazer essa observação?

Cansativo. Doloroso. Exaustivo.

É essa a rotina de quem precisa fugir de si mesma todos os dias.

Como admitir que eu também preciso de ajuda? Que estou com dificuldades para lidar com os meus problemas? Que estou sobrecarregado, cansado, pressionado demais?

E quando ouso dizer… sou silenciado. Julgado. Mais uma vez, negligenciado. E agora, a escola é meu trabalho. São meus pares que o fazem sistematicamente. A quem pedir socorro?

É necessário criar espaços de escuta e acolhimento. Uma rede de apoio para tais profissionais, para que possam se reconhecer e ser espelho para seus alunos.

Pois estes, ao não obterem as respostas desejadas, acabam se perdendo nessa relação mútua, e o espelhamento se quebra, instalando-se assim o abismo que percebemos dentro de nossas escolas.

O jovem, que queria alguém para orientá-lo, que via seus professores como figuras quase perfeitas na infância, e quem é mãe bem sabe do que estou falando, escuta mil vezes em casa, mas se a professora disse, então aí sim é verdade.

O que acontece nesse percurso, que ao chegar à adolescência, eles fogem, rejeitam seus tutores?

Talvez seja o resultado dessa dinâmica. Eu fujo de mim. O jovem foge também. Eu camuflo meus traumas, mas não o suficiente. Eu os transpiro. E o jovem fareja nossos medos e os repele.

Pois de medo o adolescente entende bem. E já os tem o suficiente.

E o que dizer das metodologias e planos de ensino aplicados hoje na educação? Dessa mão invisível que se acrescenta nesse enredo de forma esmagadora e displicente, cheia de metas, com objetivos que, frequentemente, nem os professores, muito menos os alunos, conseguem compreender e que, ainda assim, precisam ser cumpridos.

Culpar nossos jovens por não quererem mais exercer essa função seria o mesmo que julgar uma criança por não querer colocar a mão numa panela fervendo. Ela viu. Ela ouviu. Ela entendeu que aquilo dói. Que aquilo machuca.

E isso ocorreu inúmeras vezes, dentro da própria escola. Ouviram da boca de seus educadores, nas suas casas, nas redes sociais, na mídia todos ressaltando o quanto essa profissão é desgastante, adoecedora, cansativa, mal remunerada. E de fato é.

Mas, então, o que faremos do futuro sem pessoas que queiram realizar esse ofício? Que lutem por mudanças? Que formem pessoas que queiram mudar o mundo?

Quão preocupante se torna o futuro das nossas gerações. Dos meus e dos seus filhos.

Cabe certamente uma reflexão por parte de toda a sociedade. Entretanto, como adultos e responsáveis envolvidos diretamente nessa problemática, são os próprios professores e gestores educacionais que precisam se organizar e reivindicar seus direitos.

Não sozinhos, mas com o apoio e a colaboração das famílias, com um mesmo objetivo em comum: que juntos possamos construir uma escola verdadeiramente boa para nossas gerações. Com respeito, ética, valorização de todos e evolução constante.

Uma escola que não esmague talentos, mas os reconheça.

Porque sim, minha gente, existem pessoas com dom para cantar, calcular, medir, interpretar, ouvir, falar e também aquelas que nasceram para ensinar.

Mas que, incontáveis vezes, são desestimuladas, minadas, inflamadas contra esse dom. Como se o problema estivesse na profissão, e não no sistema falho e adoecido.

Talvez seja pertinente um olhar mais cuidadoso para a formação desses docentes. Começando pelas falas de seus próprios mestres nas graduações e de seus supervisores dos estágios, que, além de ensinarem conteúdos, deveriam acender o prazer de ver alguém evoluir, crescer, melhorar e progredir tudo isso porque um professor o auxiliou.

É preciso compreender que um verdadeiro mestre sabe que suas vitórias também estão contidas nas vitórias de seus alunos.

Que, apesar das dificuldades, ainda é possível educar nossas crianças e jovens ao pensamento crítico, à criatividade e ao novo.

Sim, juntos, nós podemos. Lutando. Nos reconhecendo. Dando a nossos alunos bagagem, cultura, conhecimento, ética, acolhimento e coragem. Para que eles possam, no futuro, revolucionar.

E que mostrem a este sistema que trabalha contra que, apesar dele, de suas falhas, injustiça e desigualdade, juntos podemos construir uma sociedade melhor. E que cabe a nós a força de sermos melhores e transformar o mundo.

E como nos lembra Sartre (1967): “Não importa o que fizeram da gente. Importa o que faremos do que fizeram da gente.”

Referências Bibliográficas 

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

LACAN, Jacques. O estádio do espelho como formador da função do eu tal como nos é revelada na experiência psicanalítica. In: ______. Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

SARTRE, Jean-Paul. Questão de método. São Paulo: Difel, 1967.

WINNICOTT, Donald W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.

Artes

Eduardo Scheneider

Valentina Scheneider

Angelina Scheneider

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Cláudia Scheneider é Psicanalista com foco em adolescência e altas habilidades/superdotação, graduanda em Psicologia e pós-graduanda em Psicologia Organizacional e do Trabalho. Empresária há mais de 15 anos, atriz e palestrante, atua há mais de 20 anos em projetos sociais com crianças e adolescentes. É implementadora de NR-1 reconhecida pelo MEC e integra o NEPPA, colaborando com estudos, textos e seminários sobre psicanálise e adolescência.

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